terça-feira, 13 de abril de 2010

TUDO FICOU PARA TRÁS...


Jailson Freire

Antes, a vista daqui era linda... Daqui se via a bela família que sempre cantava a canção que se ouvia como se a vida fosse sempre sorriso e cantiga. Mas isso ficou para trás.

Dava pra ver também, a esquina onde os namorados se encontravam depois de um dia duro de trabalho pra falar do presente futuro e passado além de beijar o seu amado. Mas isso ficou para trás.

Daqui se via a criançada que corriam por entre as vielas e escondidos vigiavam os mais empolgados enamorados. As crianças que brincavam depois da aula no fim da tarde. Mas isso ficou para trás.

Daqui se via os trabalhadores quando chegavam em casa suados e cansados da labuta diária. Era sempre um duro dia de trabalho o que lá em baixo enfrentavam por seus amados. Mas isso ficou para trás.

Daqui se via a moça que subia depois da aula, segurando em seus braços os livros que seus sonhos embalavam. Mas isso ficou para trás.

Daqui dava pra ver a noite iluminada da cidade que a nós desprezava. Dava pra ver os carros passando nas ruas como se fossem meninos passeando em seus brinquedinhos de metal que ganharam no dia de natal. Mas isso ficou para trás...

Daqui dava pra ver gente como se elas fossem formigas sem destino à procura de um caminho que as levassem a lugar nenhum... Dava pra ver o Zé que na esquina vendia angu. Mas isso ficou para trás...

Daqui se via bem a igrejinha que tinha como vizinho aquele bar da esquina deixando bem claro o contraste entre os caminhos que alguém podia tomar... Dava pra ver cada canto da ladeira que me trazia pra cá. Mas isso ficou para trás...

Daqui se via o lugar em que a turma se encontrava num domingo à tarde para comer a pizza da dona Dinda e falar da nossa vida... Mas isso ficou para trás...

As histórias de cada um que aqui morava eram recheadas de casos e descasos. Se cada um dos que aqui estava pudessem contar para os que aqui ficaram, seria inevitável a compreensão dos fatos que nos levaram a aqui plantar as nossas estacas. Para os que se foram, não é mais possível chorar. Para os que ficaram a saudade sempre os acompanharão.

Os dias de alegrias ou de tristezas passados aqui não mais existirão. Os sonhos que juntos sonhamos teremos que re-planejar. Teremos que reescrever a nossa história, pois a que fora vivida antes da lama e do lixo; tudo ficou para trás.


Uma homenagem às vítimas da tragédia das chuvas do Rio de Janeiro, especialmente do Morro do Bumba em Niterói, minha cidade.



"Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;" (Mateus 5 : 4)

6 comentários:

  1. Amigo, hoje moro há uns 10 minutos a pé do local onde aconteceu a tragédia Morro do Bumba; aqui Graças a Deus tudo bem, mas lá... realmente "tudo ficou para trás". Temos orado e tentado ajudar os sobreviventes... Temos orado pelo descaso dos nossos governantes, que haja amor no coração deles pelas vítimas! Grande abraço, fique com Deus!

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  2. Prezado Jailson


    Esse teu ensaio foi uma sincera homenagem aos que perderam seus entes queridos na tragédia de Niterói.

    Lendo o teu texto me senti como uma dessas pessoas que perderam tudo em consequência não das chuvas, mas da inércia dos poderes públicos que trocam votos por simulacros de casas construídas em áreas de riscos, com o aval dos próprios fiscais do Governo.

    O que nenhuma autoridade tem coragem de confessar num momento como este, é que não existe e nunca existiu um plano de prevenção nem de emergência que garanta condições de vida civilizada para os explorados pobres de Niterói e Rio, que vivem em condições sub-humanas.

    Essa tragédia (anunciada) nos deixou ainda mais indignados, quando ficamos sabendo que os diversos desmoronamentos nos morros, foram previstos pela UFF, desde 2008, e ninguém tomou as devidas providências. (Jornal "O Globo" de 10/04/2010)


    VERGONHA! VERGONHA! VERGONHA!

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  3. Vem a lição de que devemos viver o hoje em toda plenitude de suas potencialidades dentro do que convém é claro, pois o passado ficou na lembrança e o amanhã pertence a DEUS.
    Gilbert Raposo, um aprendiz em Cristo Jesus.

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  4. Jailson, que homenagem linda!
    Parabéns pela sua sensibilidade.
    Beijos, Beatriz Coronato

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  5. Meu irmão Jailson!
    Que sensibilidade ao descrever cenas do cotidiano.
    Quanta destruição; sonhos frustrados; vidas canceladas; projetos interrompidos; porém, a certeza que nos consola é que em tudo há permissão de Deus. Não sabemos Seus propósitos, o que nos resta neste tempo é orarmos!

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  6. Muito tocante seu ensaio... Impossível não chorarmos amargamente diante das imagens daquela gente que foi forçada a deixar tudo para trás.

    Como anseio pelo novo céu e a nova terra". Só peço a Deus que esta gente sofrida conheça o caminho que conduz a pátria onde nada jamais ficará para trás.

    Te convido a visitar nosso blog e ler as postagens: "MEU FILHO EX-TRAVESTI EM NÚPCIAS" e "UM EX-TRAVESTI? UM DIA ELE CAI..."

    Abraço.

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